Efêmera (2021)

Nos anos 70 do século passado, Dana Raphael teorizou sobre o período de transição do corpo e psique da mulher ao tornar-se mãe. A seu ver, a matrescência é o estado, às vezes muito demorado, em que a mulher cria uma nova identidade para reconhecer-se como mãe. Sua hipótese nega, de certa forma, o ditado popular “quando nasce um bebê, nasce também uma mãe”; em sua concepção, a maternidade é muito mais que um papel social pronto, adquirido a partir de um evento. Um bebê, de fato, nasce acabado, enquanto a mãe precisa de tempo e certo trabalho interno para aceitar-se como tal, encarando aos poucos as exigências de disponibilidade, serviços e cuidados, mas também de mudança de planos profissionais, de rotina ou vida social. E o que caracteriza a matrescência e a torna uma experiência difícil de ser traduzida é sua ambivalência: do amor incondicional, somos facilmente levadas ao arrependimento; da solidão ao forte pertencimento ao universo; da tristeza à euforia; do encantamento ao esgotamento; da culpa à superação. Aceitar, perdoar, agradecer, esperar passar – acabamos adotando mantras de cabeceira para seguir na dança mais bela e exigente que há.

O presente livro é uma das traduções possíveis da maternidade e da matrescência, uma vez que nele Paula reflete sobre os primeiros sete anos do seu maternar. É, sem dúvida, um livro autobiográfico, mas permite que todos criem conexão com a experiência única e surpreendente de trazer ao mundo uma nova vida e aceitar suas transformações. O prefácio fotográfico, feito de duas imagens, anuncia esta leitura universal: somos muitos e únicos em nossa condição humana, como as estrelas no céu, e cada um de nós veio a esse mundo do ventre de uma mulher. Abundância, prosperidade, mistério e acolhimento são as palavras-chave com que Paula nos convida para adentrar à sua intimidade materna e para (re)criar nossa própria viagem na experiência de mãe, filha, filho ou irmão e irmã. 

As imagens produzidas ao longo deste primeiro setênio, bem como as fotografias encontradas no arquivo familiar são reveladas em várias camadas para representar um leque complexo e completo de emoções e sensações. Paula nos coloca num balanço constante entre angústia e prazer, entre desejo e realidade, como na dupla de imagens da mão afundada no cacho de cabelos macios e um emaranhado de galhos secos sobre as pedras; ou na sequência em que pássaros que desbravam o céu cor de rosa são confrontados com o sono da tarde da filha. O movimento pendular é potencializado pelo sofisticado jogo de cores: do amarelo gritante, ardente, que antecede o nascimento de um bebê, ao azul denso que pesa como a noite, quando se sua frio de preocupação por pensar em perder um filho ou vir a lhe fazer falta. Criar sensações ao operar com a simbologia da natureza é uma arte que Paula domina com perfeição. 

Ao longo do livro, conhecemos as personagens que constelam o universo feminino da artista: duas filhas, irmã, mãe e avó. Um fio temporal, mas antes de tudo afetivo, uma linha-gem. Paula parece trazê-las para dentro da narrativa como num ato de ritualização, com o objetivo de reconfigurar as relações do passado, perdoar as mágoas ou desfazer-se da culpa da recém-mãe afogada na busca incessante pela perfeição tão idealizada quanto irreal. Essas gerações se olham num gesto generoso de compreensão do esforço que é ser mãe e do desejo parental de dar sempre o seu máximo. E no manto tecido de afetos, os filhos surgem como uma nova oportunidade para os abraços, de viver a corporalidade, de mergulhar no cru e no nu da nossa humanidade, e trazem consigo – como a filha da Paula literalmente traz – um ninho, um lugar seguro, um convite à cura.

Efêmera é uma balada sobre a transição, em que a artista nos pega no colo e embala em seus braços antes de nos deitar sobre as águas incertas e misteriosas que é o amor maternal. 

Irmina Walczak, 2021

Publicado pelo selo Rios- Greco em parceria com Editora Origem – São Paulo / Brasil.
Faz parte dos acervos das Bibliotecas do Instituto Moreira Salles (São Paulo/ BR) , The Royal Photography Society (Bristol/ UK), Martin Parr Foundation (Bristol/UK).
500 cópias / Primeira edição

Onde achar: Lovely House ou paula@paulabrandao.com.br